O mundo e os não alcançados

O número de crentes entre os mouros falantes do dialeto árabe hassani de Mali duplicou em 2021.[1] É difícil descrever a alegria da equipe que trabalhava entre eles, bem como dos amigos, apoiadores, parceiros de oração e líderes missionários que vivem distantes. Em coro com os anjos no céu (Lc 15.10), minha esposa e eu nos alegramos com essa notícia, como se do céu tivesse vindo uma chuva copiosa em meio a uma seca.

Esse milagre foi resultado de anos de oração, renovação da visão central de nossa missão, diálogos com parceiros, condução de pesquisas e planejamento detalhado. Oportunamente, uma equipe multidisciplinar e multiétnica formada por obreiros de todo o mundo se estabeleceu na região de um remoto aglomerado de aldeias no Mali. Teria sido muito mais fácil enviar esses obreiros por meio de nosso processo tradicional — um de cada vez, para qualquer uma das vagas existentes, muitas das quais concentradas onde o evangelho já está presente. Eles teriam causado impacto usando suas habilidades e dons ali também. Mas ficaríamos aquém de uma convicção vital: ninguém deve viver e morrer sem ouvir as boas novas de Deus, pois a mensagem do evangelho é para o mundo todo.

Em Marcos 16.15, Jesus ordena: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas”. Atos 1.8 enfatiza que o testemunho deveria chegar aos confins da terra. O Movimento de Lausanne convoca toda a igreja para levar todo o evangelho ao mundo todo. Cremos de fato que o evangelho é para todo o mundo? Nesse caso, então por que tantos povos, como, por exemplo, os mouros falantes do dialeto árabe hassani, ainda não têm acesso real ao evangelho ou contam com um missionário entre eles? Sabe-se que até 77,3% dos missionários atuam entre povos que já têm acesso ao evangelho. Entre os não evangelizados estão 19,4%. Os 3,3% restantes vivem entre os 3,28 bilhões de pessoas que nunca ouviram o nome de Jesus.[2] Por que os missionários seguem no sentido oposto das áreas com maior concentração de pessoas sem acesso ao evangelho?[3]

Interpretando os dados[4]

Eis aqui um resumo das estatísticas:

  • 3% dos missionários vão para locais não alcançados; 97% vão para locais já alcançados ou não evangelizados.[5]
  • 87% de todos os muçulmanos, hindus e budistas do mundo não conhecem um cristão pessoalmente.[6]
  • Os 1,9 bilhão de muçulmanos do mundo têm apenas 5 mil missionários: um missionário para cada 400 mil muçulmanos. O Brasil, contudo, recebeu 20 mil missionários em 2010.[7]
  • 95% dos 5,5 milhões de obreiros cristãos em tempo integral estão atuando no mundo cristianizado.
  • 82% de todas as doações de cristãos são direcionadas ao ministério da igreja local e gastos com a própria congregação local e seus pastores. Apenas 1,7% é direcionado para os povos não alcançados.

As ações da igreja global e a forma como usamos os recursos não têm refletido o chamado de Lausanne para que toda a igreja leve todo o evangelho para todo o mundo.

Diante de estatísticas desse tipo, a salvação de uma única pessoa entre os mouros falantes do árabe hassani do Mali ganha destaque. Há três anos, havia apenas um crente entre todo o grupo, e nenhuma testemunha fiel estava presente ali para gerar esperança de que esse número crescesse.

A resposta da SIM (Missão para o Interior do Sudão): Testemunho fiel a comunidades esquecidas

Albishir (pseudônimo) não sabia para onde iria após a morte, mas acreditava que Okan tinha a resposta. Assim, Okan e sua esposa Joy, missionários da SIM na Nigéria, falaram a ele sobre o amor de Cristo e a certeza da salvação. Albishir encontrou o que procurava e, com a alegria estampada no rosto, aceitou Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Ele se desfez de seu amuleto e juntos eles o queimaram no fogo.

Albishir, um mouro hassani, havia visto o amor de Deus em ação por meio de uma equipe da SIM – obreiros com qualificações diversas e vindos de várias regiões do mundo – especialmente porque Deus os havia usado para fornecer água potável à sua aldeia. A localização remota de sua casa, a carência de vários tipos de infraestrutura e as preocupações com a segurança da área eram desafios significativos à ideia de ter uma nova equipe como vizinhos.

Um processo que envolveu muita oração ao longo dos últimos anos resultou na renovação da visão, da missão e do propósito pioneiro da SIM de mais de um século atrás: Convencidos de que ninguém deve viver e morrer sem ouvir as boas novas de Deus, cremos que ele nos chamou para fazer discípulos do Senhor Jesus Cristo nas comunidades onde ele é menos conhecido.

Nasceu então a iniciativa “Testemunho fiel a comunidades esquecidas”, com base na referência de Jesus a Antipas, uma testemunha fiel em Pérgamo (Ap 2.13). Em parceria com o Centro para o Estudo do Cristianismo Global no Seminário Teológico Gordon-Conwell, identificamos locais que não tinham acesso ao evangelho, como: Kayes e os mouros hassani no Mali; o povo de Ayutthaya, na Tailândia; e outras comunidades específicas no Norte da África, no Oriente Médio, na Ásia Central, no Sul da Ásia e muitos outros lugares. Com base no diálogo com organizações de cada região que partilhavam da mesma visão, foram formadas equipes de vários países, com competências diversas e foco nas oportunidades e nas necessidades da comunidade local. Hoje, um grupo diversificado de 52 pessoas de 19 países divide-se em oito equipes que servem em oito países, em parceria com os obreiros das igrejas locais.

O modelo de mobilização e envio visa envolver, ao longo dos próximos anos, centenas de missionários de todo o mundo em um projeto que pode levar o evangelho às comunidades onde Cristo é menos conhecido.

As comunidades são identificadas antecipadamente com base na sua carência de acesso ao evangelho, não nas vagas em um campo missionário já existente. As equipes devem ser multidisciplinares e multiétnicas. Uma equipe intencionalmente composta por pessoas com uma variedade de habilidades pode então abençoar toda uma comunidade e ali promover o shalom.

Outra premissa da SIM é que as equipes multiétnicas sejam um veículo eficaz para levar o evangelho, superando as barreiras e demonstrando-o de forma prática. Elas são um meio eficaz de compartilhar o evangelho e fazer discípulos, e a verdadeira expressão da face e da unidade do cristianismo global.

Guia prático para tomadores de decisão

Talvez você tenha descoberto que sua igreja ou organização não está fazendo a sua parte no que se refere às missões globais, ou que suas doações não priorizam o evangelho para todo o mundo. Sua igreja ou ministério pode ser como um pequeno barco ou um enorme transatlântico; pode precisar apenas de uma pequena calibragem da bússola ou uma redefinição completa de curso. Em qualquer dos casos, que medidas práticas você pode tomar?

Perguntas a fazer

O melhor ponto de partida é fazer perguntas do tipo:

  • Qual a porcentagem de recursos que de fato são direcionados à missão de anunciar o evangelho aos que não têm acesso a ele?
  • Com que frequência sua igreja desafia os membros a dedicar sua vida e seus recursos para tornar o evangelho acessível àqueles que vivem e morrem sem ele?

As respostas não apenas revelarão prioridades e graus de conscientização, como também indicarão os próximos passos, apresentando uma visão para o futuro. É correto continuar enviando mais obreiros para contextos em que o evangelho está presente, muitas vezes de forma dominante, e ignorar outros contextos onde o evangelho jamais é ouvido? Os questionamentos podem dar origem a uma reformulação do aprendizado, criando a base necessária para uma nova visão e direção.

Dicas e casos de sucesso, com base no que foi feito pela SIM

Em primeiro lugar, o propósito, a missão e a visão de uma igreja ou organização devem ser redirecionados em espírito de oração aos que vivem sem qualquer acesso ao evangelho. Sem isso, é fácil desviar-se para os frutos disponíveis nos lugares “fáceis” já existentes. Lembre-se que, entre os não alcançados, não há ninguém que defenda que eles mesmos sejam priorizados, portanto uma igreja ou ministério deve escolhê-los propositadamente. Somente esse nível de intencionalidade criará as condições nas quais uma semente do evangelho é efetivamente enviada e plantada em um lugar onde não exista nenhuma.

Em segundo lugar, é fundamental que todos na igreja ou organização acolham essa prioridade. Eles devem ser como uma frota de navios voltados para a mesma estrela-guia e navegando pelo mesmo mapa celeste.

Em terceiro lugar, uma chave para a eficácia em um mundo globalizado são as equipes multiétnicas e multidisciplinares. Uma equipe com vários conjuntos de habilidades tem inúmeras oportunidades em toda a comunidade. Quando apropriado, em vez de pensar que eles próprios trarão as soluções, os novos obreiros devem buscar formar equipes com moradores locais que já estejam servindo e saibam o que funciona em seu contexto.

Obstáculos a prever

A falta de consciência e o conhecimento vago são os primeiros obstáculos a antever. Muitas igrejas e ministérios com visão missionária, mesmo os mais competentes, não têm ciência de que há tantas pessoas no mundo sem acesso ao evangelho em linguagem e formato que possam compreender.

Os obstáculos financeiros também podem ser significativos, especialmente para os missionários no Sul Global. E certamente haverá oposição dos poderes das trevas. Isso deve ser enfrentado por meio de uma oração consistente e persistente. Não há barreira grande demais para o nosso Deus.

Às vezes, involuntariamente, igrejas e ministérios criam ou perpetuam obstáculos internos para levar o evangelho ao mundo todo. Esses obstáculos podem estar na estrutura, no processo ou na atitude. É possível também que haja doadores que não compreendem a realidade e as oportunidades disponíveis. Um passo vital é capacitar e redirecionar líderes, doadores, recrutadores, os responsáveis pelas finanças e os obreiros existentes. Se quisermos ouvir o som do nome de Jesus em lugares onde ele nunca foi falado, tomadores de decisão em todos os níveis devem ser redirecionados para priorizar “o mundo todo”.

Mobilizando a oração

Os locais que correspondem ao restante do “mundo todo” são aqueles nos quais não se pode entrar sem a orientação do Espírito Santo e a proteção vinda de orações fervorosas e dedicadas, individuais e coletivas. O Senhor da colheita anseia por encontrar-se conosco – seus trabalhadores da colheita – para nos falar, instruir e alinhar com o coração e os planos divinos.

Três orações estão continuamente em meu coração: que Deus erga os olhos dos líderes da igreja para que possam ver que os campos estão brancos para a colheita; que Deus chame muitos jovens para entregar a vida a serviço daqueles que não têm acesso ao evangelho; e por um coração colaborativo entre igrejas e organizações missionárias do Norte e do Sul Global que resulte em um movimento poderoso para levar as boas novas a todos aqueles que ainda esperam ouvi-las.[8]

Conclusão

Há mais de 110 anos, um missionário pioneiro do Canadá deixou um posto missionário estabelecido em uma cidade na Nigéria e rumou mata adentro. Havia muito a fazer no pequeno posto missionário; uma abundância de oportunidades para a evangelização. Mas graças à sua decisão de ir mais longe, minha pequena aldeia de Owa-Onire ouviu o evangelho. Sou fruto daquele missionário que insistia que o evangelho deveria alcançar todo o mundo.

Que possamos nos empenhar na urgente e inacabada tarefa de fazer discípulos de Jesus Cristo em todo o mundo. “Que sejam conhecidos na terra [em toda a terra] os teus caminhos, a tua salvação entre todas as nações. Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te todos os povos. Exultem e cantem de alegria [todas] as nações (Sl 67.1-4).

Endnotes

  1. Este artigo se baseia na apresentação do autor no Seminário Teológico Gordon-Conwell durante a Semana Missionária Anual em setembro de 2021.
  2. Nota da Editora: O termo “não alcançado” refere-se a pessoas com pouco ou nenhum acesso ao evangelho, enquanto pessoas “não evangelizadas” são aquelas que nunca ouviram o evangelho, mas vivem em um contexto em que o evangelho está mais facilmente acessível.

Extraído de https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2023-05-pt-br/o-mundo-todo-e-os-nao-alcancados?utm_source=Lausanne+Movement+List&utm_campaign=d61af035bf-Lausanne_Global_Analysis-PORTUGUESE-May2023&utm_medium=email&utm_term=0_602c1cb67d-d61af035bf-91736231

“…Onde estás?”

Hoje no ônibus ví uma senhora debruçada na cadeira da frente. Todo mundo em silêncio. É possível reparar as pessoas andando lentamente pelas ruas. Buzinas? Sim, já eram MUITAS  buzinadas antes mas agora parece que aumentaram (e muito)…  a paciência se mandou para lá de Marrakesh?

É difícil esse período do Ramadã. Os órgãos públicos mudam de horário, o trânsito fica louco e se você tiver que resolver algo na rua é preciso ter uma santa paciência. Sem falar no aspecto espiritual que, obviamente, muda bastante. A vida parece voltar ao normal lá para as 19, 19h30 da noite, onde já vemos as pessoas indo para as ruas tomar o bendito e sonhado café. E assim tem sido por aqui, nesta primeira semana deste nono mês islâmico.

Há uma coisa que sempre achei engraçada (risos). Como existem os “tais pecadores”, os que não jejuam, é preciso acolhê-los para que não sejam “pegos”… Para isso, por incrível que pareça há lugares onde eles podem se esconder dos olhos dos outros e tomar seu café ou comer um pequeno sanduíche, digamos, “em paz”. As portas e janelas estão cobertas por jornal, ou tem uma cortina. Assim ninguém do lado de fora sabe quem está lá dentro! Verdade é que quando saem, saem cabisbaixos e bem rapidinho. Ninguém quer ser julgado por ninguém, né?

Um véu e tanto

É interessante como o homem tenta se esconder da Verdade a todo custo, e isso não é “privilégio” de pessoas que vivem em um país muçulmano. Em Veneza na linda Itália é assim, como também entre os Ribeirinhos no Brasil. Sistemas, filosofias, religiões e outras coisas podem se tornar o véu que os separa de Deus, o véu que tenta esconder os seus pecados do olhar do Altíssimo.

Aqui a religião tem um peso muito grande, apesar deles se acharem mais abertos que os demais (e isso é verdade). Mas o véu existe, é forte e permeia várias áreas da sociedade. E é justamente aí que o Evangelho deve penetrar, com sua graça e poder, provocando as transformações que rendem glória à Deus Pai. Embora essa ação miraculosa leve tempo, ela é primordial no cumprimento da MissioDei.

Muitos são bem disciplinados na dinâmica religiosa durante o Ramadã, outros nem tanto já que preferem se esconder atrás dos jornais. Todavia o convite de Deus, que ecoa desde o Éden (“onde estás?”) também é para aqueles que não se escondem mas que tentam – sem sucesso – se aproximar d’Aquele que se autodenomina Pai. É aí que você e eu entramos.

Onde estamos? Será que tem como nos esconder? Vamos proclamar amados. Vamos ir até eles. Vamos pedir para que as portas se abram, que os portais eternos se levantem. O Cordeiro já foi dado pelo resgate de muitos. O Rei da glória quer entrar, quer fazer morada nos corações. Proclamemos no dia de hoje pois Ele é o Rei da Glória! Ore pelos muçulmanos durante o Ramadã.

O melhor Amigo do homem

Tragédias acontecem. Elas nos surpreendem. Nos fazem lembrar do valor da vida, e de como somos frágeis diante dessas “surpresas”. Olhamos assustados para os acontecimentos e alguns se mergulham nas questões básicas que qualquer ser humano pode fazer: “por quê, Deus?” E o que falar quando lemos as profecias bíblicas sobre o futuro? E será que alguém estaria atento as minhas “tragédias pessoais”, no meio de um mundo que tem tantas distrações e nos ensina a pensar unicamente em nós mesmos?

Me lembro de quando meu pai faleceu. Eu estava a mais de 7 mil quilômetros de distância do Brasil. Não pude voltar, fui um horror… Tínhamos um cachorro que foi se desfiando no decorrer do tempo, sem nenhuma causa aparente de doença, até falecer. Também estava sofrendo com a ausência do dono. E lá estava eu naquela distância toda. Só posso afirmar à plenos pulmões que Sua graça é sublime!

Uma das coisas mais impressionantes que acontecem nesses terremotos da vida é ser surpreendido com uma ação surpresa que acalenta a alma no meio da tempestade. Alguém que vem até você para encontrar uma flor no meio dos escombros. Essa pessoa chega perto para sentir o que a gente sente, tocar onde precisa ser tocado, nos levanta para sermos ajudados da maneira que precisamos.

O registro de um médico

É interessante ver que Lucas é o único dos quatro Evangelhos que relata a Parábola do (bom) Samaritano. E mostra de maneira bem prática e direta o significado de cuidar de alguém. É uma parábola linda, e que faz oposição ao que chamamos de “discursos vazios”.

O que queremos ser?

Queremos ser os interrogadores, ser doutores do conhecimento, que só fazem perguntas? Ou somos ocupados demais com nossos afazeres “na obra de Deus” que só nos fazem passar de longe e contemplar, de lado, a tristeza humana? O que devemos ser?

Deus é o Amigo fiel. O melhor Amigo. Desceu até nós, sofreu como qualquer um, nos mostrando que Sua Lei vai além da letra. Vem ao nosso encontro, no meio da mais profunda dor (seja ela qual for) para chorar conosco e nos levantar. E Ele também quer que sejamos um eco de Suas ações no meio das tragédias e terremotos de tanta gente.

Deus nos achou no meio de escombros, já saímos de lá e hoje respiramos por Sua infinita graça. Louvemos à Ele por Sua ação milagrosa. E vamos louvar também pelas inúmeras oportunidades que Ele nos dá para sermos bons.  Vamos sair dos questionamentos, “sair da rota cotidiana” para poder levar alguém aos Seus cuidados.

Oremos pela Turquia e pela Síria.

Que sejamos o melhor amigo de alguém. Que assim seja.